Espaço de liberdades

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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Reflexões sobre a presunção de inocência



REFLEXÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Felipe Martins Pinto


Origem e evolução histórica

A Antigüidade, em texto de Domitius Ulpianu, descortinou o gérmen do princípio da presunção de inocência, o favor rei: “Ninguém deve ser condenado por suspeitas, porque é melhor que deixe impune o delito de um culpável que condenar um inocente”. [1]
Adentrando-se mais especificamente no desenvolvimento do princípio em estudo, enceta-se a análise a partir da Escola da Ilustração Séc. XVIII , movimento jurídico-intelectual cujos estudos alimentaram o cambiamento do status do acusado, elevado da condição de objeto do processo à posição de sujeito de direitos. Nesse contexto, a presunção de inocência passou a assumir, de maneira insipiente,[2] o seu papel de alicerce para a estruturação do processo penal garantista, consistente em instrumento de resguardo da pessoa humana, em mecanismo de efetivação de direitos dos indivíduos, em ferramenta de combate aos abusos de poder dos agentes públicos e em forma de legitimação do Estado.
Vale destacar que o processo penal representa muito bem a batuta que rege a relação entre o cidadão e o Estado:
se encontrarmos um processo criminal iníquo, com procedimentos arbitrários, prepotentes, é evidente que estaremos em face de um Estado ditatorial, déspota. Se, ao contrário, o processo for constituído por um procedimento que tenha em mira salvaguardar da maneira mais completa possível a dignidade da pessoa humana, estaremos em face de um Estado democrático.[3]
A positivação da presunção de inocência em diversas Constituições, incluindo a brasileira, coincide com a superação de regimes totalitários e autoritários e a inauguração da ordem democrática. A França detém o pioneirismo, tendo, após a Revolução Francesa, publicado a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, que previu em seu art. 9º:
Todo homem é tido como inocente até o momento em que seja declarado culpado; se for julgado indispensável para a segurança de sua pessoa, deve ser severamente reprimido pela lei.
Após, foi seguida pela Constituição italiana de 1948,[4] promulgada após a queda do Fascismo, pela Constituição Portuguesa de 1976,[5] conseqüente à Revolução dos Cravos, e pela Constituição Espanhola de 1978,[6] decorrente da derrubada do Regime Franco.
No Brasil, a primeira vez em que a presunção de inocência integrou expressamente uma Constituição foi em 1988,[7] considerada um verdadeiro marco no processo de redemocratização brasileira, iniciada a partir do crepúsculo do Regime Militar, em 1984, e que traz como conteúdo determinante a preocupação notória com a estruturação de um sistema de direitos e garantias individuais, como uma reação às cicatrizes recentes do autoritarismo militar.
Nesse diapasão, a presunção de inocência, paralelamente ao viés técnico-jurídico, hasteia um simbólico e relevante papel político, contribuindo para viabilizar o efetivo exercício da democracia, na medida em que representa salutar limite contra arbitrariedades, principalmente contra a utilização da máquina punitiva estatal como instrumento de opressão.
Costumeiramente, os operários[8] do Direito praguejam com grande autoridade e impostação um clichê para conceituar a democracia: “Democracia é a participação do povo no poder”. A participação popular na realização dos atos de poder do Estado não é uma peculiaridade do regime democrático, pois o povo sempre contribuiu para a produção dos atos oficiais, ainda que na condição de mero objeto de investigação, submetido aos tormentos do processo inquisitorial medieval.
O traço definidor do modelo democrático não repousa em qualquer simplória participação, mas sim em uma especial atuação, uma vez que o povo, sob a ótica democrática, tem o direito de contribuir para a formação de todos os atos de poder que possam afetar a sua esfera de direitos, podendo-se valer de todos os instrumentos não vedados em lei para defender seus interesses.
A participação popular, muito além do simbolismo panfletário do exercício do voto, alcança todas as ações dos poderes constituídos do Estado- Executivo, Legislativo e Judiciário-, sendo certo que as formas de participação extrapolam os limites legais, alcançando todo e qualquer formato não conflitante com o ordenamento jurídico vigente.
De extrema relevância ressaltar que a simples previsão formal da possibilidade de intervenção do povo na produção dos atos oficiais de poder do Estado, desamparada de instrumentos concretos que freiem abusos, arbitrariedades e pessoalidades, transformaria a democracia em um autoritarismo mascarado, pois tal omissão anuiria com a utilização da máquina estatal e, principalmente, do jus puniendi, como uma clava impiedosa que golpearia cavernosamente aqueles cuja manifestação de idéias e questionamentos representem um risco à perpetuação de uma estrutura sócioeconômica e política.
Entre os institutos que integram o complexo de garantias necessárias à efetivação do regime democrático, a presunção de inocência constitui elemento marcante da superação de uma estrutura opressora de Estado, inibindo perseguições encobertas sob falaciosas vestes de punições oficiais e aparentemente legais.
Ora, um Estado que se pretende democrático não pode simplesmente dispor os direitos de seus governados, não assegurando a viabilização de realização deles:
[...] em matéria jurídica, é preciso buscar sempre garantias e seguranças. Não basta que um direito seja reconhecido e declarado; é necessário garanti-lo, porque chegam ocasiões em que será discutido e violado. [9]
Diante dos termos imprimidos na redação do inciso LVII do art. 5º da CF/88, existe uma discussão doutrinária acerca da nomenclatura adequada para representar o princípio insculpido no tipo constitucional: presunção de inocência ou presunção de não-culpabilidade.
O impasse doutrinário merece grande destaque, já que o dispositivo constitucional integra o título II da Constituição Federal, que prevê os direitos e as garantias fundamentais e, por conseqüência lógica, as disposições que o integram podem adquirir amplitudes maiores e mais abrangentes. Por essa razão, a norma prevista no inciso LVII do art. 5º da CF/88, cotejada com demais fontes do ordenamento jurídico pátrio, evidencia se tratar, efetivamente, do princípio da presunção de inocência.
Cumpre relevar que, considerando caráter geral e amplo que detêm os direitos humanos, neles incluída a presunção de inocência, “[...] é imprescindível socorrer aos textos internacionais para sua completa identificação”, [10] permitindo-se a compreensão da amplitude de seu alcance e a direção mais adequada que se deve imprimir à interpretação de seu conteúdo.
A esse respeito, três documentos internacionais merecem relevo: em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU (A/RES/217),[11] sendo o Brasil signatário; após dezoito anos, em 16 de dezembro de 1966, foi aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP),[12] ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992; e, por fim, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose de Costa Rica), de 22 de novembro de 1969,[13] ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
Convém destacar que os tratados internacionais relativos a direitos humanos vinculam como standard mínimo de proteção do indivíduo, de tal forma que o legislador ou os tribunais não podem promover uma interpretação que afronte o seu conteúdo, mas podem incrementar a proteção que se outorgam aos direitos fundamentais.
O conceito poliédrico[14] do princípio da presunção de inocência
A imunidade[15] da presunção de inocência deve ser compreendida pelo aspecto jurídico-constitucional e sob o aspecto jurídico-processual. O primeiro viés impõe a vinculação de todos os poderes públicos: no tocante aos poderes jurisdicional e executivo, os seus membros e os demais agentes públicos, necessariamente, estão obrigados a observar essa garantia no exercício de suas atribuições, tendo-a como limite interpretativo para a compreensão do alcance das normas. [16] Já o Poder Legislativo, na produção legiferante, deve respeitar o conteúdo indisponível dos direitos fundamentais, incluída nestes a presunção de inocência, limitando, por exemplo, a configuração de normas que impliquem presunção de culpa, como, por exemplo, as que outorgam ao acusado o ônus de provar sua inocência.
Já a segunda vertente determina a observância da presunção de inocência como “[...] um dos princípios cardiais do jus puniendi contemporâneo em suas faces substantiva e formal”, [17] representando o conceito basilar sobre o qual se edifica o modelo de processo penal garantista e de corte liberal.
Insta reforçar que o conteúdo ideológico da reforma constitucional que introduziu expressamente a presunção de inocência elencou como vetor primordial da estruturação do novo modelo de processo penal a preocupação com a preservação da liberdade e da dignidade do indivíduo integrante do pólo passivo de investigação ou processo criminal.
Ademais, com o surgimento do modelo de Estado Democrático de Direito, modificaram-se os parâmetros de tratamento dos direitos e das garantias dos indivíduos, tendo o Estado abandonado sua postura estática e passado a buscar a afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como o direcionamento da organização e do funcionamento da máquina estatal tendo em vista a proteção e efetivação desses valores.
Apenas para dirimir eventual e equivocada ponderação que, usualmente, orbita nos discursos forenses e midiáticos, cumpre esclarecer: [a consagração constitucional da presunção de inocência]
não supõe renunciar a um processo penal eficaz. Pelo contrário, se entende que a eficácia do processo penal deriva de seu caráter de meio civilizado de persecução e repressão da delinqüência; civilizado enquanto respeita os direitos e liberdades básicas dos cidadãos. [18]
A magnitude alcançada pelo princípio da presunção de inocência interfere de maneira concreta e direta em tantos estratos da vida dos indivíduos que vinculá-la apenas à função de regra de juízo de processo penal representa um confinamento demasiadamente simplista.
Em primeiro lugar, emerge-se uma nova visão do devido processo legal, que implica mudança na compreensão das prescrições do vigente Código de Processo Penal, concebido sob o influxo de uma estrutura ditatorial e repressora de governo.
Assim, como princípio informador do processo penal, a presunção de inocência prescreve limites à atuação dos órgãos estatais no exercício do jus puniendi, detendo, como primeiro desdobramento, a condição de regra probatória que impõe o ônus de provar os fatos que ensejaram a propositura de uma ação penal ao seu titular e estabelece
[...] determinadas regras que indicam como deve ser o procedimento probatório e as características que deve reunir cada um dos meios de prova para que possam fundamentar uma sentença condenatória. [19]
 Acresça-se a essa a acepção de regra de juízo que informa o julgador no momento de prolatar a sentença, limita-o no campo de análise dos elementos de convicção, como na impossibilidade de valorar como maus antecedentes a existência de inquéritos e processos[20] e oferece-lhe a resposta para as hipóteses em que, após a instrução processual, ainda pairarem dúvidas quanto à materialidade e/ou autoria do fato em comento: in dubio pro reo.
Ademais, a presunção de inocência é uma regra de tratamento do imputado, na medida em que impede a aplicação de medidas judiciais que o equiparem ao culpado, especialmente quando representem uma antecipação da pena. [21]
A esse respeito, o título IX do Código de Processo Penal – Da prisão e da liberdade provisória – carece de reestruturação de seu teor, desprendendo-se do conteúdo próprio de Estado totalitário em que foi promulgado, para o qual a prisão processual, especialmente a prisão em flagrante delito, era a regra, sendo a exceção a liberdade, por essa razão adjetivada de provisória.
Contemporaneamente, a liberdade é a regra, e a prisão provisória somente será admissível quando escorada em razões de cautela concretamente apontadas em decisão judicial fundamentada, [22] nos termos do artigo 93, IX, CF/88, [23] não satisfazendo a nova ordem constitucional a decretação de prisões alicerçadas na gravidade genérica do delito, [24] na vida pregressa do imputado[25] e tampouco na natureza hedionda do fato. [26]
No mesmo diapasão, a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando impuser o recolhimento ao cárcere para o indivíduo que, livre estando, após julgamento de segundo grau, interpuser recursos especial e/ou extraordinário, constitui modalidade anômala de prisão anterior à formação da culpa e, como carece de elementos de cautela, representa afronta à presunção de inocência.
Mas a condição de garantia estendida à forma de tratamento do imputado não se restringe às prisões provisórias, contemplando outras situações, como, por exemplo, a vedação à execração pública e midiática e a ponderação no uso das algemas.
Por fim, não  perca de vista que no atual estágio de evolução do princípio, a presunção de inocência deve alcançar situações extraprocessuais. O Tribunal Constitucional Espanhol, onde a corrente não é majoritária, assim entendeu: [a eficácia do princípio deve abranger]
o direito a receber a consideração e o tratamento de não autor ou não partícipe em atos de caráter delitivo ou análogos a estes e determina o direito a que não se apliquem as consequências ou os efeitos jurídicos a atos de tal natureza nas relações jurídicas de todo tipo. [27]



[1] Corpus Iuris Civilis. Dig. 48, 19, 5. Obra publicada entre os anos 529 – 534, por ordem do Imperador Bisantino Justiniano.
[2] Convém esclarecer que as estruturas normativas, incluindo as garantias processuais e, especificamente, a presunção de inocência, neste momento histórico e, inclusive no período posterior à Revolução Francesa, consistiram-se essencialmente em regras abstratas e ideais, que pressupunham uma concepção ideal de homem, ignorando as desigualdades sociais e as características pessoais e, por essa razão, não se desfrutou, na referida época, da plenitude dos institutos democráticos inseridos no bojo do processo penal.
[3] ARAÚJO, Sérgio Luiz de Souza. Teoria geral do processo penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 19.
[4] Articolo 27. [...]
L’imputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva.
[5] Artigo 32.º (Garantias de processo criminal) – Sétima revisão 2005
 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
[6] Art. 24.2 da Constituição Espanhola de 1978 “ todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia”.
[7] Art. 5º, LVII – Ninguém será considerado culpado até o trânsito de sentença penal condenatória;
[8] A palavra foi utilizada em alusão à locução operador, na medida em que detém o mesmo radical e enceta para o autor a idéia de um “tecno-buracrata” do Direito, embotado e domesticado.
[9] En materia juridica es preciso buscar siempre garantias y seguridades. No basta que un derecho sea reconocido y declarado; es necesario garantizarlo, porque llegarán ocasiones em que será discutido y violado. HAURIOU, Maurice. Principios de derecho público y constitucional. Trad. Carlos Ruiz del Castillo. Madri: Reus. s.d. p. 120. (Tradução livre)
[10] MARTÍNEZ, G. Peces Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general. Madri: Universidade Carlos III de Madri, Boletim Oficial do Estado, 1995. p. 173.
[11] Art. XI. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
[12] Art. 14.2 Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Tradução livre de Article 14.2. Toute personne accusée d'une infraction pénale est présumée innocente jusqu'à ce que sa culpabilité ait été légalement établie.
[13] Art. 8o - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
[14] O Tribunal Constitucional Espanhol (STC 55/1993 – Recurso de Amparo - número de registro 1758/1989 - Ponente: Don Rafael de Mendizábal Allende) utilizou a expressão “poliédrico” para representar as múltiplas faces do conceito do princípio da presunção de inocência.
[15] As diversas classes de direitos fundamentais diferenciam-se em razão de relações jurídicas que estabelecem, podendo constituir-se em direitos subjetivos, liberdades, poderes e imunidades. O sujeito protegido pela presunção de inocência é imune aos atos que visam aviltar ou fragilizar seus direitos e interesses antes do adimplemento das condições legais erigidas como conteúdo e limite do princípio. MARTÍNEZ, G. Peces Barba. Curso de derechos fundamentales: teoría general. Madri: Universidade Carlos III de Madri, Boletim Oficial do Estado, 1995. p. 464.
[16] “Os princípios constitucionais da Presunção de Inocência e da Liberdade Provisória não podem ser elididos por normas infraconstitucionais que estejam em desarmonia com os princípios e garantias individuais fundamentais”
(STJ, HC 33886/RJ, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª Turma, j. 09/02/06, publ. 12/06/06. Ementa parcial)
[17]  “...uno de los princípios cardinales del jus puniendi contemporáneo em sus facetas sustantiva y formal” Tribunal Constitucional Espanhol (STC 34/1996), apud PARDO, Miguel Angel Montañés. La presunción de inocência: análisis doctrinal y jurisprudencial. Pamplona: Aranzadi, 1999. p. 38. (Tradução livre)
[18]  “... no supone renunciar a a un proceso penal eficaz. Por el contrario, se entiende que la eficacia del proceso penal deriva ahora de su carácter de medio civilizado de persecución y represión de la delincuencia; civilizado en tanto respeta los derechos y libertades básicas de los ciudadanos…”  LÓPEZ, Mercedes Fernández. Prueba y presunción de inocencia. Madri: Iustel, 2005. p. 139. (Tradução livre)
[19]... determinadas reglas que indican cómo debe ser el procedimiento probatório y las características que debe reunir cada uno de los medios de prueba para que puedan fundamentar una sentencia de condena.”  LÓPEZ, Mercedes Fernández. Prueba y presunción de inocencia. Madri: Iustel, 2005. p. 107. (Tradução livre)
[20] HABEAS CORPUS – PENAL – ROUBO TRIPLAMENTE QUALIFICADO – DOSIMETRIA DA PENA – INQUÉRITO POLICIAL E PROCESSO EM ANDAMENTO – MAUS ANTECEDENTES – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – SISTEMA TRIFÁSICO – DESOBEDIÊNCIA – CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO – MAJORAÇÃO. - O Juiz penal, em seu mister, deve, na aplicação da pena, realizar três operações (sistema trifásico). Numa primeira etapa examina-se a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, passando-se, posteriormente, à apreciação das circunstâncias legais (agravantes ou atenuantes) previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 quando, finalmente, incidirão as eventuais causas de aumento ou de diminuição da Parte Geral ou Especial do Código Penal - Sob essa ótica, a r. decisão guerreada, ao aplicar a atenuante da menoridade após o emprego das causas especiais de aumento desobedeceu o sistema trifásico de fixação da pena. - Ofende o princípio da presunção de inocência o fato de se considerar como maus antecedentes, para fins de exacerbação da pena-base, a instauração de inquérito ou o processo penal em andamento. - Precedentes. - Reconhecida a existência de mais de uma causa especial de aumento é possível a majoração da pena além de um terço, ante a maior reprovabilidade da conduta do réu.
- Ordem parcialmente concedida para que o douto magistrado de primeiro grau, desconsiderando os inquéritos policiais instaurado contra o paciente e os processos em andamento como maus antecedentes, proceda a nova aplicação de pena, obedecendo, ainda, a norma prevista no art. 68, do Código Penal.
(STJ, HC 26252/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 5ª Turma, j. 06/03/03, publ. 02/03/03)
[21] LÓPEZ, Mercedes Fernández. Prueba y presunción de inocencia. Madri: Iustel, 2005. p. 123.
[22] PRISÃO - FORMALIDADE ESSENCIAL - JÚRI - ABSOLVIÇÃO - EFEITOS - ANULAÇÃO E RESTABELECIMENTO DA CUSTODIA. A ORDEM DE PRISÃO PREVENTIVA HÁ QUE ESTAR FUNDAMENTADA - INCISO LXI DO ARTIGO 5. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A FORMALIDADE E DA ESSENCIA DO PRÓPRIO ATO, O QUE IMPLICA A NULIDADE DESTE QUANDO DESATENDIDA. JOGO SUTIL DE PALAVRAS NÃO A SUBSTITUI. DE NENHUMA VALIA E A REFERENCIA, NO PROVIMENTO JUDICIAL CONTENDO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO JÚRI REALIZADO, A RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRONUNCIA. NA SUBSTANCIA, ESTA E RESTABELECIDA AUTOMATICAMENTE, OU SEJA, DA-SE O SURGIMENTO DE QUADRO ENSEJADOR DA SUBMISSAO DO ACUSADO A NOVO VEREDICTO DOS JURADOS. NÃO O E NA PARTE REVELADORA DA PRISÃO, A EXIGIR FUNDAMENTOS CAPAZES DE JUSTIFICAR A PERDA DA LIBERDADE, EM QUE PESE A PRESUNÇÃO DE INOCENCIA ROBUSTECIDA PELO PRIMEIRO JULGAMENTO.
(STF, HC 70110/SP, Rel. Min. Paulo Brossard, 2ª Turma, j. 02-03-93, publ. 30-04-93)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA PARA RESPALDAR A CUSTÓDIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A simples reprodução das expressões ou dos termos legais expostos na norma de regência, divorciada dos fatos concretos ou baseada em meras suposições, não é suficiente para atrair a incidência do art. 312 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o referido dispositivo legal não admite conjecturas.  2. A decretação da referida medida restritiva de liberdade antecipada deve reger-se sempre pela demonstração da efetiva necessidade no caso concreto, devendo ser mencionadas, de forma específica e objetiva, as razões pelas quais se mostra necessária a custódia cautelar, evidenciando-se na decisão em que ponto reside a ameaça à ordem pública ou os riscos para a regular instrução criminal ou o perigo de se ver frustrada a aplicação da lei penal. 3. "A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal" (RHC 81.395/TO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ15/8/2003, p. 30). 4. Ordem concedida para determinar a expedição de alvará de soltura, caso o paciente não esteja preso por outro motivo, sem prejuízo de
eventual decretação da custódia preventiva devidamente fundamentada.
(STJ, HC 48250/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 16/02/06, publ. 22/05/06). No mesmo sentido, STJ, HC 30875/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 05/10/04, publ. 08/11/04.
CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. NECESSIDADE DA SEGREGAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO, DE OFÍCIO, A CO-RÉU. I. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. II. A existência de prova da materialidade do crime e indícios de autoria não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto, que não a própria conduta, em tese, delituosa. III. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. IV. Conclusões vagas e abstratas sobre a necessidade da prisão para resguardar o andamento da instrução e a aplicação da lei penal, sem que seja apontada  nenhuma razão palpável sobre o eventual risco que correria a instrução processual, se em liberdade o réu, são insuficientes para a decretação de custódia cautelar. Precedentes do STF e do STJ. V. Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. VI. Não prevalece o entendimento desta Corte, no sentido da manutenção do co-réu do paciente na prisão, após a sentença condenatória, se foi mantido preso durante toda a instrução processual, quando a própria decisão que indeferiu a liberdade provisória a ambos os réus se mostrava carente de fundamentação. VII. Não havendo, no édito condenatório, qualquer elemento novo a justificar a prisão processual do co-réu, torna-se ilegal a sua permanência no cárcere, enquanto aguarda o julgamento do recurso de apelação. VIII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória ao paciente, confirmando-se a medida liminar deferida, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta, com extensão, de ofício, ao co-réu Anderson Carlos da Rosa.
IX. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(STJ, HC 59733/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 17/08/06, publ. 11/09/06). No mesmo sentido STJ, HC 41601/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 07/04/05, publ. 18/04/05.
[23] Art. 93. (...)
IX – todos os julgamentos dos Órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias  partes e a seus advogados, ou somente a estes;
[24] “...O juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos imputados ao paciente, a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria, a suposta agressividade e periculosidade do réu, a natureza hedionda da prática, em tese,
criminosa não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto...”
(STJ, HC 65273/PR, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 05/12/06, publ. 05/02/07. ementa parcial).
“...2. A gravidade e as circunstâncias do fato criminoso (clamor público) não justificam, por si sós, prisão de natureza provisória. 3. Caso de falta de precisa fundamentação em relação à preventiva...”
(STJ, HC 42830/MG, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª Turma, j. 18/08/05, publ. 05/06/06. Ementa parcial).
“...  No ordenamento constitucional vigente, a liberdade é regra, excetuada apenas quando concretamente se comprovar, em relação ao indiciado ou réu, a existência de periculum libertatis. Não atenta contra a instrução criminal nem procura elidir a eventual aplicação da lei penal quem comparece espontaneamente à cidade do delito, para prestar esclarecimentos sobre o crime. A gravidade do crime não pode servir como motivo extra legem para decretação da prisão provisória. Suposto clamor público, considerando que o delito ocorreu em cidade de interior, não é suficiente para a segregação cautelar para a garantia da ordem pública...”
(STJ, HC 39666/SC, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª Turma, j. 18/08/05, publ. 12/09/05. Ementa parcial). No mesmo sentido, STJ, HC 29588/SP, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª Turma, j. 04/09/03, publ. 29/09/03.
[25] HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO POR LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA LEVE E CRIME DE DANO QUALIFICADO. RÉU FORAGIDO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO PRECÁRIA. ORDEM  PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1 - A prisão preventiva, é sabido, de caráter processual, só se justifica, em confronto com o princípio da presunção de inocência, diante da evidente necessidade de sua imposição, mediante a demonstração de elementos concretos, que o réu, solto, poderá causar risco à garantia da ordem pública ou econômica, à própria instrução do feito, ou mesmo frustrar a provável aplicação da lei penal. 2- Constata-se que a ordem de prisão preventiva está calcada no fato de o paciente não ter permanecido no distrito da culpa após a prática do delito, bem como nas próprias circunstâncias que envolveram o crime, o que, por si sós, não evidenciam a necessidade da custódia. 3- Certo que o magistrado de primeiro grau afirmou que paciente é "portador de uma péssima vida pregressa", não apontando, entretanto, qualquer elemento concreto identificador dessa circunstância, não pode servir como motivo para segregá-lo. 4- De outra parte, o acusado deve, primeiramente, apresentar-se à Justiça e demonstrar o seu firme propósito de contribuir para o regular andamento do feito para, após, pleitear a revogação da decisão que, com base no art. 366 do Código de Processo Penal, decretou a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional. 5- A ausência do acusado na audiência de oitiva das testemunhas de acusação não constitui nulidade, se demonstrado que seu defensor estava presente e não levantou qualquer argüição para salientar o seu não-comparecimento. 6- Habeas corpus concedido parcialmente para revogar o decreto de prisão de que aqui se cuida.
(STJ, HC 20483/PB, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª Turma, j. 19/04/05, publ. 18/09/06)
[26] CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS REQUISITOS. HEDIONDEZ DOS DELITOS. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. POSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA NA COLHEITA DE PROVAS. SIMPLES SUPOSIÇÃO. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA. O apontado excesso de prazo na instrução criminal não foi aventado  perante o Tribunal a quo, não tendo sido objeto de debate e discussão no acórdão impugnado. O exame da matéria por esta Corte ocasionaria indevida supressão de instância. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. Cabe ao Julgador, ao avaliar a necessidade de decretação da custódia cautelar, interpretar restritivamente os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, fazendo-se mister a configuração empírica dos referidos requisitos. O fato de se tratar de crime hediondo não basta, por si só, para justificar a custódia cautelar, sendo necessária a devida fundamentação. Precedente. Aspectos relacionados à existência de indícios de autoria e prova da materialidade devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva, não sendo suficientes para respaldá-la. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado aos pacientes, bem como o clamor público e a comoção social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto. Conclusões vagas e abstratas, como a possibilidade interferência na produção de provas, sem vínculo com situação fática concreta, efetivamente existente, constitui simples suposição a respeito do que os acusados poderão vir a fazer, caso permaneçam soltos, motivo pelo qual não podem fundamentar a medida constritiva. Precedentes do STF e do STJ. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva dos pacientes, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiverem presos, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente as custódias, com base em fundamentação concreta. XI. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida, nos termos do voto do Relator.
(STJ, HC 37719/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 02/06/05, publ., 20/06/05)
[27] el derecho a recibir la cnsideración y el trato de no autor o no partícipe en hechos de carácter delictivo o análogos a éstos y determina por ende el derecho a que no se apliquen las consecuencias o los efectos jurídicos anudados a hechos de tal naturaza en las relaciones jurídicas de todo tipo. STC 109/1986, de 24 de setembro, FJ 1º. (Tradução livre). No mesmo sentido SSTC 166/1995, de 20 de novembro FJ 3º e 283/1994, de 24 de outubro FJ 2º. 

FAÇAM A LEITURA DO INTEIRO TEOR DO HABEAS CORPUS 126292, JULGADO EM 17 DE FEVEREIRO DE 2016 E DISPONÍVEL NO SITE DO STF E FAÇAM UM COMENTÁRIO CRÍTICO SOBRE A DECISÃO A PARTIR DO TEXTO ACIMA.